Impressões sobre Admirável Mundo Novo

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Viver sem dor, desconforto e ansiedade – Será um Admirável Mundo Novo?
No romance ‘Admirável Mundo Novo’, Huxley projetou um mundo onde as pessoas viveriam sem dor, desconforto e ansiedade. Tudo é previsível e confortável, ninguém sente verdadeiras emoções e as vidas são estáticas e ordeiras – ordinárias. Trata-se de uma crítica ao desejo do mundo ocidental, tão afoito pelo progresso constante, pela solução de todos os males do mundo.
É uma projeção de como será a sociedade quando o Ocidente vislumbrar a linha de meta do progresso tecnológico. Mas, mais importante ainda, assume-se como um aviso contra a nossa recusa em aceitar a nossa condição humana e a luta com os nossos sentimentos.
Huxley interpreta a nossa resistência às verdadeiras emoções como o combustível da tecnologia e do mundo moderno. Pois, na sua essência, a revolução tecnológica nasceu do desejo por conforto e estabilidade. O mundo ocidental criou coisas notáveis, como a penicilina, os caminhos de ferro e o frigorífico.
Mas Huxley coloca a seguinte questão: quão longe chegará este progresso até ao momento em que nós, além de regularmos o nosso ambiente, decidirmos também controlar os nossos pensamentos e emoções? Depois de erradicarmos a fome, o frio e o stress, quanto tempo demorará até tentarmos eliminar a tristeza, o pesar e a apreensão?
Este medo fez nascer ‘Soma’, um conceito flutuante, mas também permanente no seu romance. Soma é a idealização de Huxley daquela que seria a perfeita droga do prazer, sem os efeitos nocivos do álcool ou heroína. Durante a sua vida nos Estados Unidos, Huxley testemunhou o uso massificado de drogas em busca do prazer e ficou perturbado pela crescente popularidade das substâncias
Huxley previu que, em linha com o progresso tecnológico, chegaríamos eventualmente a um ponto onde existirá a procura por uma droga capaz de erradicar emoções desagradáveis como tristeza, confusão e ansiedade, fazendo com que a pessoa sinta apenas euforia.
“Não entendo nada”, disse ela com firmeza, determinada a preservar a sua incompreensão intacta. “Nada. Pelo menos,” prosseguiu noutro tom “deverias tomar soma quando te aparecem essas ideias tenebrosas. Esquecerias tudo sobre elas. E, em vez de te sentires miserável, serias feliz. Muito alegre,”
Eventualmente, o ser infeliz será negativamente rotulado como um estado não natural e talvez até estranho.
Mas, sem infelicidade não há, obviamente, felicidade. As personagens de ‘Admirável Mundo Novo’ não são felizes. Têm vidas desperdiçadas, sem nunca sentirem algo, sem nunca terem autorização para assumirem a sua verdadeira natureza. Sem emoções, os seres humanos tornam-se desumanos, mecânicos e sujeitos à manipulação daqueles que mais nos desejam mal.
Foi assim que Huxley concebeu o funcionamento do moderno estado totalitário. A nossa própria falta de vontade para enfrentar os nossos sentimentos tornar-se-á uma fraqueza, prontamente aproveitada pelas forças predadoras.
Huxley sente-se frustrado com a desnecessidade de tudo isto. Se ao menos conseguíssemos aceitar que não é possível controlar as emoções. Deveríamos, isso sim, aceitá-las tal como elas surgem, assim como aceitamos as mudanças no clima.
A resistência é inútil, é como tentar resistir ao batimento do coração. Somos incapazes de controlá-lo. Ao cairmos na ilusão de que conseguimos fazê-lo, criamos uma tensão que continuará a crescer à superfície, até ao momento em que cedemos e admitimos que nada há a fazer.
Aceitarmos o processo não é apenas a coisa mais forte que podemos fazer, mas é também a única que não provocará danos desnecessários a nós pessoas e àqueles ao nosso redor.
“Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade, quero o pecado.”
“Na verdade”, disse Mustapha Mond, “estás a reivindicar o direito de ser infeliz”.
Que assim seja.

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